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flowers in her hair

"I’m the crazy one who thinks that words reach people."

flowers in her hair

"I’m the crazy one who thinks that words reach people."

Hoje estarás comigo no paraíso

Bruno Vieira Amaral é formado em História Moderna e Contemporânea, crítico literário e romancista. Vencedor de vários prémios como o Prémio Literário Fernando Namora e, mais recentemente, o Prémio José Saramago, é uma das jovens vozes da cultura em Portugal.

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A primeira vez que ouvi falar de Hoje estarás comigo no paraíso pensei que se tratava de um livro romântico e, consequentemente, o meu primeiro comportamento foi descartá-lo. Sim, admito, não gosto de literatura romântica. Passados uns dias voltei a encontrar o livro num artigo de jornal e pensei: “mas que raio, que livro é este de que todos falam?”. Dei por mim a clicar no link e a descobrir que o livro era editado pela Quetzal. Ora bolas, a Quetzal é uma das melhores editoras em Portugal, de Frederico Lourenço ao Agualusa, passando por José Luís Peixoto. A Quetzal edita os grandes. Passada esta fase, reparei que o autor era Bruno Vieira Amaral. Nunca tinha lido nada da sua autoria para além de algumas críticas nos jornais, mas sabia que já tinha sido distinguido com alguns prémios literários.  Comecei a pesquisar, encontrei entrevistas e excertos, no dia seguinte (Domingo) estava na Bertrand a adquirir um exemplar.

Em Hoje Estarás Comigo no Paraíso, Bruno Vieira Amaral, desenha uma investigação do assassínio do primo João Jorge – morto no bairro em que ambos viviam no início dos anos 80 – e usa essa investigação como estratégia de recuperação e construção da sua própria memória: a infância, a família, o bairro e as suas personagens, Angola antes da Independência e nos anos que se lhe seguiram, e a figura (ausente) do pai.

Na reconstituição da personalidade e do percurso da vítima, da noite em que tudo aconteceu, na apropriação que o narrador faz de uma ligação com João Jorge (mais ou menos forjada pelos mecanismo da memória) – e de que faz parte essa busca mais ampla das dobras do tempo e do esquecimento – são utilizados os mais diversos materiais: arquivos da imprensa da época, arquivos judiciais, testemunhos de amigos e familiares, e a literatura, propriamente dita – como uma possibilidade de verdade, sempre.

Ainda tenho um livro na mesa de cabeceira (esse fica para outro post) e, odeio começar a ler um livro novo sem terminar o antigo. Por isso, numa tentativa de atenuar a traição, comprometi-me a ler o livro da mesa de cabeceira à noite e pegar no Hoje estarás comigo no paraíso apenas na viagem de comboio para a faculdade. Neste momento vivo num conflito interno entre terminar o livrinho que está ao pó na mesinha de cabeceira e continuar a embrenhar-me nesta espécie de não-ficção/ficção.

Normalmente, não é fácil ficarmos presos a um livro nas primeiras páginas, a história demora a tomar fôlego, as personagens ainda carecem de uma certa profundidade… É necessário umas 30 ou 40 páginas para entrarmos no espírito do livro. Bem, neste caso não. Bruno Viera Amaral tem uma escrita sólida que nos permite aproximar-nos da história sem qualquer tipo de dificuldades. Enganem-se aqueles que pensam que Hoje estarás comigo no paraíso é “apenas” um livro sobre João Jorge. Hoje estarás comigo no paraíso é um livro sobre todos nós. Sobre a vida e sobre a morte. Sobre a desigualdade e a justiça (ou falta dela)Para juntar à escrita incrivelmente agradável e intensa, o autor não dispensa a História como disciplina. Para alguém apaixonado por História, não existe nada mais agradável do que encontrar pequenos factos escondidos pelas linhas.

Ainda não terminei o livro, estou a tentar não suspender abruptamente o compromisso com o livrinho (atenção, não no sentido depreciativo) da mesa de cabeceira, mas conto terminá-lo até ao final da semana. Já há muito tempo que conjugações de palavras simples não me enchiam o coração e a mente com reflexões complicadas.

 

Porém, bem sei, não são os mortos que falam connosco, nós é que precisamos desesperadamente de os ouvir. Por mais que gritemos contra o vazio e o esquecimento, a única resposta que temos é o eco do nosso desespero, da nossa vaidade, da nossa arrogância. (…) Não são os mortos que clamam por justiça ou vingança. Somos nós que imploramos por sentido, para que os nossos mortos não tenham morrido em vão, para que as nossas vidas não pareçam tão absurdas.